Das coisas que a gente acredita

{ para ler ao som do Faroeste Caboclo | Legião Urbana ♥ }

Mil novecentos e noventa e três. Você tem 17 anos e está no último ano do ensino médio. Hoje, seu coração está triste. Sete jovens, em situação de rua – é como dizemos hoje – foram assassinados, no que ficaria conhecida como a Chacina da Candelária. Justiça, diziam alguns. Justiça?, questionava você.

Anos depois, Sandro, um dos Meninos da Candelária sobrevivente, sequestrou um ônibus e foi responsável pela morte de uma mulher, uma jovem professora. Dizem que a polícia, tentando acertá-lo, errou o alvo e alvejou a moça. Quem sabe? Sandro morreu logo em seguida, a caminho da delegacia, asfixiado, dentro da viatura.

Há um documentário, do José Padilha, Ônibus 174, contando esta história, usando como recursos imagens da cobertura jornalística do sequestro e entrevistas de pessoas com as quais o Sandro conviveu. A intenção provocar uma reflexão. Aquele ‘bandido’ do ônibus foi uma criança excluída de nossa sociedade. Vale demais assistir.  

Ao abrir a Agenda de 1993, caí na página na qual você expressa sua tristeza. Como era – e ainda é – difícil entender esta lógica de que a vida se endireita com ódio e violência. Este não era o papel do bandido? Ceder ao impulso e à vingança é fazer justiça ou descer ao mesmo nível (vibratório) do agressor?

Agenda 1993

Dois mil e quatorze a gente segue pensando bem parecido, Glê. Ainda que em nossos dezessete anos havia uma certa ingenuidade e/ou pureza em nosso modo de olhar o mundo, continuamos sentindo estranhamento por esta forma de ‘querer’ corrigir o mundo.

Hoje, fazer justiça com as próprias mãos parece estar na moda. E os justiceiros da atualidade têm cometido crimes contra inocentes também. Como lidam com esta culpa? Será que sentem culpa? Loucura pensar que, ainda que esteja cometendo um crime, quem faz justiça desta forma se vê como mocinho. Penso que poucos achem estranho. Você também acharia.

Fico feliz ao olhar para trás e perceber que modo de olhar para a vida, valorizando-a, não mudou. Crimes são cometidos, aqui e no resto do mundo, contudo, ainda preferimos a justiça que a vingança. Tema complexo e polêmico – já disse isso.

Há um fato que a deixaria bem feliz! A Yvonne, a artista plástica que havia iniciado um trabalho social com as crianças da Candelária e mencionada no nossa agenda, segue com seu trabalho com jovens carentes e menores em situação de rua. Ela fundou o Projeto Uerê, na Baixa do Sapateiro, no Complexo de Favelas da Maré (RJ). O Projeto busca auxiliar crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizado, por conta do cenário de violência no qual viveram ou vivem.

Dia destes, um menor, suspeito de realizar um assalto, foi amarrado a um poste, no Rio, por pessoas que desejavam fazer justiça (vingança) com as próprias mãos. A quem recorreram para soltar o menino? À Yvonne. Lá foi ela enfrentar os justiceiros do momento e soltar o menino. Recebeu várias ameças e ofensas em seu perfil no Facebook, o que a fez excluir sua conta na rede social.

O trabalho social com crianças que cometeram infração serve para algo? Alguns, mesmo com  auxílio, escolhem seguir abraçando o crime. Mas, há tantos outros que não. Que agarram com força estas oportunidades, crescem e conseguem trabalhar e percebem que, por mais difícil que sejam suas histórias de infância, eles, você, eu, somos todos aprendizes na vida. A gente acredita que é pela inclusão, e não pelo massacre, que o mundo muda. ♥

Para finalizar: eu lembro de uma das cenas finais de Cidade de Deus – um filme brilhante e mega premiado de 2002 -, na qual Zé Pequeno, chefe do tráfico, é assassinado por crianças de sua comunidade. Assim, com a morte do bandido, o crime e seus desdobramentos cessam, certo? No entanto, apesar de o traficante, ‘mal maior’ da comunidade morrer, entendemos que logo outro Zé Pequeno surgirá.